Manaus – A Transexpert Transporte de Valores, empresa na qual a Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam) investiu R$ 20 milhões, é suspeita de ser usada para a lavagem de dinheiro da corrupção de grupos políticos, segundo reportagem do ‘Jornal Nacional’, da Rede Globo de Televisão, exibida na última sexta-feira, sobre os esquemas do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, preso por decisão da Justiça Federal, que, segundo o Ministério Público Federal, desviou R$ 224 milhões dos cofres públicos.
De acordo com a reportagem, a Transexpert é suspeita de ser o caixa-forte da propina recebida pelo ex-governador. A denúncia está em um requerimento do Ministério Público Federal (MPF) mostrado pela TV. A investigação mostra que, em junho de 2015, um incêndio atingiu a sede da transportadora de valores, na zona portuária do Rio de Janeiro. O MPF suspeita que o grupo de Cabral tinha dinheiro guardado na Transexpert, e parte tenha sido queimada.
O incidente foi mencionado numa troca de e-mails entre o ex-secretário de Obras de Cabral, Hudson Braga, e um assessor. Hudson pede informações sobre o contrato com a Transexpert e o assessor responde que a empresa ainda está dedicada a solucionar o sinistro e que vai ligar para dar uma previsão.
Banco clandestino
Para os investigadores, o diálogo indica que, em virtude do incêndio, o grupo de Cabral teria perdido dinheiro. A Transexpert já tinha sido alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) que investigava o uso da empresa como instituição financeira clandestina. Foram encontrados documentos que vinculam a empresa a Cabral. O procurador da República Lauro Coelho Junior diz que a suspeita é de que a empresa era usada como instituição financeira fraudulenta que guardava o dinheiro da organização criminosa, amealhado através de corrupção e usada para lavagem de dinheiro.
A Afeam aplicou R$ 20 milhões em cotas de um autodenominado Fundo de Investimentos em Participações Expert (FIP Expert), que, no final das contas, é um investimento na empresa de transporte de valores Transexpert, do Rio de Janeiro, segundo informou o DIARIO, em outubro deste ano. A alegação para tal investimento, de acordo com o diretor-presidente da Afeam, Evandor Geber Filho, “são fundos que a gente aplica pra tentar maximizar a receita, dar rentabilidade, para a gente poder pagar as despesas operacionais”, disse. Segundo ele, é um investimento em uma empresa de transporte de valores, a Transexpert, que estaria se instalando em Manaus.
Os R$ 20 milhões investidos pela Afeam na Transexpert significam mais de 25% da previsão do volume total de empréstimos do programa estadual de microcrédito, denominado Banco do Povo, que facilita o acesso de microempreendedores individuais, profissionais liberais, trabalhadores autônomos, produtores rurais e micro e pequenas empresas a créditos que totalizam R$ 68 milhões, no ano passado, e que, segundo a Afeam, geraram 60 mil empregos. Ou seja, é dinheiro que poderia ser emprestado para gerar emprego e renda no Amazonas.
Os R$ 20 milhões da Afeam foram investidos na Transexpert em duas parcelas, sendo a primeira em outubro de 2014 e, a outra, em março de 2015, as duas com valores de R$ 10 milhões, informou Geber Filho. O investimento na empresa de segurança do Rio de Janeiro representa 9% do caixa atual da Afeam, de R$ 244 milhões.
Em seu site, na internet, a Transexpert informa que é “uma empresa com forte atuação no mercado do Rio de Janeiro e Minas Gerais que oferece serviços de transporte de valores bancários e de varejo, além de transporte de documentos”. E com “a frota mais nova em operação, sua grande capilaridade é otimizada por meio de equipes com alto nível de qualificação, que atuam nas diversas unidades de negócios espalhadas em sua área de cobertura”, no Rio de Janeiro. De acordo com a Afeam, o Fundo da empresa tem R$ 80 milhões e a agência tem participação de 25% do total.
Calicute: Esquema tinha estrutura para movimentar recursos
De acordo com o jornal O Globo, vencida a fase mais ostensiva da operação Calicute, quando mais de 200 agentes da Polícia Federal (PF) saíram às ruas de quatro cidades, na última quinta-feira, para prender os dez principais envolvidos no esquema de cobrança de propina supostamente comandado pelo ex-governador Sérgio Cabral, os investigadores pretendem, agora, esmiuçar o braço financeiro do grupo.
Eles estão convencidos de que Cabral e seus parceiros contavam com um ‘banco paralelo’ para movimentar o dinheiro da corrupção. Esse papel era desempenhado pela transportadora Transexpert Vigilância e Transporte de Valores, que tinha um cofre no bairro de Santo Cristo, no Rio, usado para guardar e distribuir o dinheiro do grupo.
A descoberta do ‘banco paralelo’, livre do sistema público de controle das atividades bancárias, surpreendeu os agentes da Delegacia de Repressão à Corrupção e a Crimes Financeiros (Delecor), que até então desconheciam esse modelo de operação clandestina. Para desvendá-lo, a PF criou uma operação específica, a Farejador, que encontrou, pelo menos, três indícios que vinculam a transportadora a Cabral: um total de R$ 25 milhões em repasses da Transexpert para uma empresa ligada a Cabral; a apreensão de declarações de renda da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo na empresa; e uma possível guarda de dinheiro para o ex-secretário de Obras Hudson Braga.
Transportadora já estava na mira da PF antes de denúncia
Antes mesmo de ser investigada por movimentar dinheiro para o ex-governador Sérgio Cabral, a Transexpert já estava na mira da Polícia Federal (PF). A denúncia de que a empresa havia desaparecido com um total de R$ 35 milhões do Banco do Brasil, dinheiro recolhido das agências bancárias que não chegava ao destino final, somada a um misterioso incêndio ano passado, que teria transformado em pó milhões de reais (R$ 28 milhões só da Caixa Econômica Federal) supostamente guardados em seu cofre-forte, fizeram a PF suspender, recentemente, a autorização de funcionamento da transportadora.
Os investigadores desconfiam que o ‘banco paralelo’ funcionava desde o primeiro governo Cabral, recolhendo propina e a distribuindo aos favorecidos, a maioria políticos do PMDB fluminense — algumas das entregas eram feitas na sede da empresa. As provas recolhidas levaram a Justiça Federal a autorizar a condução coercitiva do policial civil aposentado David Augusto Câmara Sampaio, apontado como o dono de fato da Transexpert. De acordo com as investigações, David ocupa, atualmente, cargo de assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio, “tal qual o investigado José Orlando Rabelo (também preso), este muito próximo do investigado Hudson (Braga)”.
Na última semana de setembro deste ano, em busca e apreensão autorizada pela Justiça, a Polícia Federal encontrou no escritório da empresa declarações de renda de Adriana Ancelmo. Na quebra de sigilo do ex-secretário de Obras Hudson Braga, ele perguntou, no início de 2016, a um homem chamado David, se podia “passar na empresa”. Filho de Elizete Augusto da Silva Sampaio, uma das sócias formais da transportadora, David foi nomeado, em dezembro do ano passado, pelo presidente da Alerj, Jorge Picciani, para o gabinete do deputado Zaqueu Teixeira (PDT). Também já trabalhou no gabinete de Cida Diogo (PT), em 2013.
Transexpert tem antiga ligação com a política fluminense
A Transexpert tem antiga ligação com a política fluminense. Contribuiu para a campanha de Cabral a governador em 2006, com quatro doações de R$ 6 mil, cada. Um dos donos formais, Ricardo Cristo aparece na operação Miqueias, da Polícia Federal (PF), como envolvido em fraudes contra fundos de previdência da área pública.
Agora, um relatório de inteligência do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, produzido durante as investigações da operação Calicute, revelou que, entre 2013 e 2015, a Transexpert fez um total de R$ 25 milhões em repasses para a Creações Opção, empresa ligada a Cabral.
De acordo com os investigadores, o esquema de corrupção comandado pelo ex-governador, no qual teriam passado mais de R$ 224 milhões, era estruturado em quatro núcleos básicos: o econômico, formado pelos executivos das empreiteiras organizadas em cartel (entre as quais a Andrade Gutierrez e a Carioca Engenharia); o administrativo, composto por gestores públicos; o financeiro-operacional, destinado a garantir o recebimento e a lavagem do dinheiro; e o político, integrado pelo líder da organização, Cabral.
A Transexpert, neste caso, integraria o núcleo financeiro-operacional. As empreiteiras eram obrigadas a pagar uma taxa de 5% em propina para cada pagamento recebido do governo estadual (contratos e aditivos), que resultavam em mesadas de até R$ 500 mil.
No núcleo financeiro, o dinheiro era entregue em espécie a operadores de confiança, que muitas vezes o recebiam na sede das empreiteiras — houve casos de pagamentos em doações eleitorais. A etapa seguinte, sempre segundo a investigação, consistia na lavagem do dinheiro, que seguia caminhos variados até chegar ao destino final.
No núcleo administrativo, cabia aos gestores fazer a interlocução com as empreiteiras e vista grossa para fraudes na execução dos contratos, como superfaturamento. Do núcleo político comandado por Cabral, partiam as decisões mais importantes, como os valores a serem pagos pelas empresas.
Incêndio em cofre-forte ‘some’ com milhões de reais de instituições
O cofre-forte da Transexpert, na Avenida Cidade Lima, 33, Santo Cristo, pegou fogo em 8 de junho do ano passado. Na ocasião, o incêndio queimou “uma quantidade incerta de dinheiro”, como declarou, na época, à polícia, o coordenador de segurança da empresa, Carlos Eduardo. Na manutenção da porta de aço, um funcionário imprudente teria deixado o maçarico ligado, o que provocou o fogo.
Memorando assinado pela delegada Silvana Helena Vieira Borges, chefe da Coordenação Geral de Controle de Segurança Privada da PF-RJ, em janeiro deste ano, relatou que R$ 28,132 milhões da Caixa Econômica Federal (Caixa) desapareceram no incêndio, sem que a instituição tivesse sido ressarcida até hoje.
A Federação de Futebol (Ferj), que perdeu R$ 2,8 milhões no mesmo incêndio, moveu uma ação judicial contra a transportadora.
Afeam entrou com ação para recuperar os R$ 20 milhões
O diretor-presidente da Afeam, Evandor Geber Filho, informou ao DIÁRIO, ontem, que a Transexpert tem sido notificada judicialmente, desde setembro deste ano, por descumprir o acordo do Fundo de Investimentos em Participações Expert (FIP Expert) com a agência. O dirigente da Afeam explicou que, antes mesmo das notícias sobre a suspeita de uso da Transexpert para o esquema de lavagem de dinheiro, pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, já estava programada, nesta semana, a entrada de uma ação de execução das garantias para bloquear os bens da empresa e recuperar os R$ 20 milhões de investimento.
“Na última sexta-feira, tivemos uma reunião com o Comitê Gestor do FIP, debenturistas e advogados para entrar com a execução (das garantias), nesta segunda-feira, por considerar os eventos vencidos antecipadamente”, explicou.
Entre os eventos obrigatórios do FIP Expert não cumpridos pela Transexpert com a Afeam, conforme Evandor Filho, estão: ativar uma unidade da empresa em Manaus para gerar empregos e renda e realizar uma auditoria da KPMG (empresa de consultoria internacional). “O prazo das notificações já venceu e vamos em cima dos fiadores (da Transexpert)”, afirmou Evandor, que, em dois anos, prevê recuperar os R$ 20 milhões do fundo de investimento. “Já levantamos os bens dos acionistas fiadores, a Transexpert tem uma apólice de seguro internacional de R$ 200 milhões, outros ativos financeiros e mais os carros-fortes, que iremos bloquear”, disse o diretor-presidente da Afeam.
Sobre a denúncia da Transexpert servir de caixa-forte para o esquema de propina de Cabral, Evandor afirmou ter ficado surpreso e disse que poderá entrar com uma ação criminal contra a empresa. “Se for confirmado esse crime do incêndio, vamos entrar com a ação criminal”, declarou.