São Paulo – Quando a neurocirurgiã pediátrica Giselle Coelho estava no quarto ano de residência, constatou que havia uma grande limitação em estratégias de treinamento para as cirurgias. A dificuldade a levou a desenvolver um simulador ultrarrealista para neurocirurgia em bebês. Tão realista que, em viagem aos Estados Unidos para apresentar o protótipo a seus orientadores, foi chamada a prestar esclarecimentos no aeroporto sobre por que levava em sua mala o que os funcionários acreditaram ser um crânio de bebê de verdade.
O projeto lhe rendeu um prêmio internacional concedido pela Federação Mundial de Sociedades de Neurocirurgia (WFNS, na sigla em inglês), na categoria “Jovem Neurocirurgião” em 2015 e deve contribuir para a formação de novos neurocirurgiões, que poderão praticar os procedimentos sem nenhum risco para os pacientes.
“Quando estava na residência, gostaria de treinar mais os procedimentos neuroendoscópicos, de forma que pudesse ter mais habilidade e confiança antes de treinar em pacientes”, conta. Na época, ela entrou em contato com o professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) Samuel Zymberg, que trabalhava no desenvolvimento de um simulador adulto, e ele a convidou para participar do estudo.
Lá ela conseguiu uma reunião com o professor de neurocirurgia pediátrica Benjamin Warf. Responsável por um grande projeto para treinar neurocirurgiões na Uganda, Warf viu a proposta de Giselle com grande entusiasmo e disse que esperava um simulador como esse havia 20 anos.
Com o apoio de Warf, Giselle começou a trabalhar no desenvolvimento do bebê simulador, que passou a ser seu projeto de doutorado desenvolvido na Faculdade de Medicina da USP com período sanduíche na Escola de Medicina de Harvard.
Como um bebê de verdade
O bebê simulador – apelidado pela pesquisadora de Gigi – tem o mesmo peso de um bebê de verdade e é feito de materiais que têm texturas e resistências muito similares aos tecidos humanos.
O crânio tem densidade próxima ao osso humano, o que faz com que uma radiografia do “boneco” seja equivalente a uma radiografia humana – daí a confusão no aeroporto e a dificuldade de convencer a segurança de que aquilo era só um simulador.
O uso de um corante proporciona até um “sangramento” no momento da cirurgia simulada (veja o vídeo). “Foi um cuidado que tomei, pois nessa cirurgia o bebê perde muito sangue, então aquelas gotinhas são preciosas. É preciso prestar atenção, pois não pode sangrar”
Para colocar o projeto em prática, Giselle fez parceria com uma empresa de Olinda (PE), especializada nesse tipo de instrumento.
Ela criou duas versões do simulador: uma para procedimentos de neuroendoscopia – usados em casos de tumores intracerebrais, por exemplo – e outra para cirurgia de cranioestenose – procedimento de correção utilizado quando a cabeça do bebê tem uma alteração no formato.
Antes mesmo de o simulador ser validado na prática, um artigo descrevendo o novo instrumento já foi capa na revista científica “Child’s Nervous System”, publicação da Sociedade Internacional para Neurocirurgia Pediátrica.
Primeiros testes foram bem-sucedidos
A primeira validação do simulador, feita com neurocirurgiões experientes, foi considerada um sucesso. A próxima etapa vai ser validá-lo com médicos não-experientes, que serão os usuários finais do instrumento durante o processo de aprendizado das técnicas cirúrgicas.
Além do “boneco” simulador, Giselle desenvolveu também um vídeo 3D mostrando o passo a passo da cirurgia, com todos os detalhes das estruturas anatômicas envolvida. Quando o projeto estava em progresso, surgiu a oportunidade de se inscrever no prêmio da WFNS.
“Quando ganhamos, fiquei tão feliz. Não acreditava porque foram 55 projetos inscritos do mundo inteiro avaliados por uma comissão de 30 avaliadores de vários países“, conta Giselle.
Para ela, o prêmio foi um estímulo para seguir com o projeto mesmo diante de várias dificuldades que enfrentou. A expectativa é que ele seja usado por várias instituições, inclusive no projeto de treinamento de neurocirurgiões coordenado pelo professor Warf na Uganda.
“Um projeto desse aplicado em larga escala vai colaborar para a segurança do paciente. Essa diferença que ele vai fazer no treinamento de profissionais pode evitar erros e mortes decorrentes de complicações e ser uma ferramenta de mudança da realidade social”, diz Giselle.
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