São Paulo – Um vídeo inédito achado pelo irmão da noiva quatro dias após a queda do helicóptero em que ela estava, em São Lourenço da Serra, na Grande São Paulo, mostra o interior do helicóptero que levava a noiva Rosemeire Nascimento da Silva ao seu casamento. Os quatro ocupantes morreram no um acidente que chocou o país em dezembro de 2016. As informações são do G1.
O vídeo, que mostra o voo desde o início até a queda, já está sendo usado na investigação da Polícia Civil e da Aeronáutica. Para o advogado que representa os parentes dos mortos, as imagens apontam “erros crassos” do piloto. A empresa proprietária do helicóptero informou que não vai se manifestar. Abaixo nesta reportagem, leia o que dizem os advogados.
Os vídeos desta reportagem contêm trechos do acidente. ATENÇÃO: as imagens são fortes.
Segundo o coronel da reserva da Aeronáutica Luís Lupoli, as imagens mostram possíveis erros cometidos pelo piloto Peterson Pinheiro nos momentos finais do voo (leia mais sobre a análise do especialista abaixo).
Além da noiva e do comandante, também estavam a bordo da aeronave o irmão de Rosemeire, Silvano Nascimento da Silva, e a fotógrafa Nayla Cristina Neves Lousada, que estava grávida de seis meses.
A câmera era levada pela fotógrafa e foi encontrada quatro dias depois por um irmão da noiva, que procurava pertences pessoais da família que teriam se perdido no local da tragédia. O equipamento foi entregue às autoridades dias depois.
O vídeo mostra o momento da decolagem, ocorrida no hangar da empresa proprietária do helicóptero, em Osasco, na Grande São Paulo, com sol e tempo aberto. Eram 16h de 4 de dezembro de 2016 e Rosemeire faria uma surpresa ao noivo, Udirley Damasceno, chegando voando ao buffet onde o casamento seria realizado.
Após 21 minutos de voo, o tempo fecha e há muita neblina. Pelo vídeo, é possível perceber que, nos quatro minutos e 45 segundos seguintes, o piloto enfrenta dificuldades para encontrar o local onde seria celebrado o casamento, o buffet de festas Recanto Beija-Flor, alugado pela família, e também para manter a aeronave estabilizada.
As imagens irão ajudar a Polícia Civil e a Aeronáutica a apontar fatores que influenciaram na tragédia. O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) informou que “o vídeo que mostra o momento do acidente já está sendo analisado pelo Instituto de Pesquisas e Ensaios em Voo (IPEV)”.
O objetivo da análise do Cenipa é prevenir que novos acidentes como este se repitam, propondo recomendações às autoridades aeronáuticas, empresas, operadores, pilotos e fabricantes de aeronaves para aperfeiçoar o controle de voo.
A Polícia Civil de São Lourenço da Serra também tem um inquérito em andamento para apurar as causas da queda e aguarda uma perícia técnica, que está sendo realizada pelo Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo, para concluir as investigações. As imagens poderão oferecer elementos que indiquem eventual responsabilidade das empresas envolvidas.
O perito Luís Lupoli diz:
- Em meio à neblina e às nuvens, o piloto altera o controle da aeronave, tentando manter a operação visual, mesmo estando em condições de voo e de operação por instrumentos, desorientando-se.
- Na avaliação do perito, o piloto errou quando decidiu seguir voo a partir deste momento, apesar de o tempo ter fechado rapidamente.
- Para o militar, as imagens mostram que o piloto estava desorientado espacialmente
- Os registros do painel, em especial os equipamentos de horizonte artificial (uma linha azul, em 180 graus, que mostra se a aeronave está alinhada junto ao horizonte) e velocímetro, apontam que a aeronave virou várias vezes na diagonal, curvando-se acentuadamente para os dois lados e perdendo velocidade antes da queda.
Após analisar as imagens, o coronel Lupoli entende que é possível que o piloto não tivesse conhecimento para operar o helicóptero, um Robinson R44 Raven II, prefixo PR-TUN, em condições por instrumentos, pois realiza movimentos bruscos para tentar estabilizar a aeronave.
A aeronave que caiu só poderia ser utilizada, conforme seu registro oficial, para operações em condições visuais, em que o piloto usa referências visuais de solo, horizonte e tempo, e não apenas os instrumentos a bordo.
O que o piloto poderia fazer
O acidente ocorre nos 15 últimos segundos do vídeo, quando o helicóptero está quase tocando o solo à direita e o piloto, na tentativa de impedir a colisão, movimenta bruscamente, novamente, o manche para a esquerda.
“O certo seria subir para a altitude mínima de segurança da região que sobrevoava e ir para um aeródromo que operasse por instrumentos para realizar o pouso, ou até mesmo voltar para uma região que conseguisse operar em condições visuais”, aponta o oficial. “O piloto foi diminuindo a velocidade para tentar continuar o voo naquelas condições [de tempo fechado, neblina e chuva fraca]. Ele estava em condições de voo por instrumentos e, aparentemente, se desorientou ao tentar operar em condições visuais. Ele joga muito (a aeronave) para um lado e para o outro”, explica o coronel.
“Ele perdeu a orientação e o controle da aeronave. Quando ele bate para um lado e para o outro [o manche], com comandos abertos de um lado para o outro, a impressão que temos é que ele tentou corrigir para um lado e acabou perdendo o controle. Em uma situação em que ele começa a brigar muito com o helicóptero para mantê-lo voando, é a hora que ele deveria fazer o pouso”, salienta o ex-investigador, que aponta que o piloto deveria estar sob pressão para realizar o voo.
As imagens mostram ainda que, durante o voo, a fotógrafa Nayla questiona o piloto sobre se ele conhece o local do buffet onde o casamento seria realizado e se está seguindo o GPS para chegar ao local. Peterson Pinheiro responde que conhece a região e sabe como chegar.
Os advogados da família da noiva, de seu irmão e da fotógrafa estão analisando as imagens para entrar com um processo na Justiça contra a empresa Helicopter Charter Service do Brasil (HSC Táxi Aéreo), proprietária do helicóptero, e a Voenext, companhia que intermediou a compra do voo pela noiva. A defesa afirma que pedirá indenização por danos morais, pelas mortes, e danos materiais, pelos gastos do noivo com o casamento que não se realizou.
Para os advogados, o vídeo é prova inequívoca de erros do piloto na condução da aeronave. “As imagens mostram o desespero dos passageiros e o erro crasso do piloto. Ninguém está querendo tripudiar o erro do piloto, mas é possível ver que ele fica puxando os instrumentos e o manche sem perceber o perigo. Ele está dando cambalhotas e não sabia disso, ele não tinha ideia do que estava fazendo”, aponta o advogado das famílias, Fernando Henrique dos Reis, integrante da banca Josmeyr Oliveira Advogados.
“Iremos pontuar no processo que a empresa Voenext funciona como intermediadora e não tem autorização para fazer voos de traslados e de táxi aéreo, assim como a HCS, pois o helicóptero era registrado para uso privado. Isso só agrava mais a responsabilidade das empresas, que não poderiam efetuar este tipo de serviço. Além disso, o piloto era funcionário da HCS, há responsabilidade da empresa pelo serviço dos funcionários”, afirma o advogado.
Eles disseram que usarão o vídeo em um processo civil de pedido de indenização por danos morais e materiais, apontando elementos que envolvem responsabilidade das empresas envolvidas e do piloto. Segundo eles, as famílias das vítimas não receberam ainda, oito meses após a tragédia, nem o seguro obrigatório, que é exigido, conforme o Código Brasileiro de Aeronáutica, de todas empresas que realizem o transporte de pessoas e que explorem tráfego aéreo.
A empresa proprietária do helicóptero, a HCS, informou que não iria se manifestar sobre a investigação. Já a companhia que intermediou o voo, a Voenext, disse que não cabe a ela analisar questões técnicas, que mostrou solidariedade e se colocou à disposição da famílias (leia mais abaixo sobre o posicionamento das empresas).
Tanto a empresa dona do helicóptero quanto a que intermediou o voo são investigadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), já que a aeronave estava registrada apenas para serviço aéreo privado e não poderia ser utilizada para táxi-aéreo ou serviço remunerado.
A câmera foi encontrada pelo familiar após a Polícia Técnico Científica e a Aeronáutica já terem feito perícia no local. O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) ainda aguarda resultado de laudos para concluir sua investigação. O inquérito da Polícia Civil está sob sigilo de Justiça e também aguarda documentos e análises para ser finalizado.
O casamento
Rosemeire, que tinha 32 anos, iria fazer uma surpresa para o noivo,que a esperava no altar e não sabia que ela iria chegar voando ao buffet alugado pela família. O helicóptero caiu na Estrada da Barrinha, uma região de mata fechada próxima à Rodovia Régis Bittencourt, em 4 de dezembro de 2016. O percurso da base da empresa HCS, em Osasco, até o buffet, duraria 25 minutos e foi praticamente este o tempo até a queda.
Para realizar o sonho de chegar de helicóptero ao buffet no meio da serra, a noiva pagou R$ 1.800 em duas prestações, de R$ 1.200 e mais R$ 600, escondido do futuro marido. Segundo os advogados da família, R$ 200 deste montante foram repassados pela empresa para a HCS. “Ela dizia assim: ‘Na segunda-feira, todo mundo vai falar que sou rica’”, relembra Helaine Alves, a viúva de Silvano. Foi Helaine quem fez todos os preparativos para o voo e ajudou Rosemeire a preparação a celebração para cerca de 300 convidados.
Defesa das empresas e do piloto
Questionada sobre o vídeo e o acidente, a companhia Voenext, que intermediou o contrato do voo, informou, através do seu advogado, Lucas de Assis Loesch, que “não cabe à VoeNext se manifestar sobre questões técnicas ou eventuais falhas cometidas pelo piloto da aeronave. Todas as informações necessárias foram prestadas às autoridades competentes e estamos aguardando o parecer técnico das investigações”. O defensor informou ainda que a empresa fez, “desde o primeiro momento, contato com as famílias, colocando à disposição toda a assistência necessária”.
Já a empresa HCS, que era proprietária do helicóptero, informou através do escritório Moreira e Martarelli Advogados que não iria se manifestar neste momento sobre o caso, pois “tudo está correndo sob segredo de Justiça e estamos ajudando em tudo o que for possível”.
A noiva do piloto, Ivani Queirós, afirmou que “as investigações seguem em ambas as partes” e que aguarda o resultado final das apurações para se posicionar. Já amigos e colegas do piloto Peterson Pinheiro, que inclusive trabalhava como instrutor de voo, afirmaram que ele sempre atuou de forma responsável.
O mecânico de aeronaves Wener Biazoli era amigo havia mais de três anos do piloto Peterson Pinheiro, que tinha 33 anos e era nascido em Suzano, no interior de São Paulo. Biazoli disse ao G1 não acreditar na hipótese de falha humana.
“Eu nunca vi ele cometer nenhum ato brusco como piloto. Todas as vezes que voei com ele em voos de manutenção, sempre achei um piloto prudente e me senti seguro. Ele sempre fez voos padrão. Era um bom profissional, você não vai encontrar nenhum relatório de perigo de alguma ação dele. Como profissional ele era muito bom, reunia todas as qualificações necessárias como piloto”, salientou.
“As condições meteorológicas na hora da decolagem deles eram boas, mas podem ter mudado muito rapidamente durante o percurso. Para mim, aconteceu algo quando ele se preparava para pousar, que é quando a maioria dos acidentes ocorrem. Mas tem que esperar o que a investigação do Cenipa vai dizer. Só eles, com todos os documentos e avaliações, podem apontar o que ocorreu. Não adianta as pessoas agora quererem ficar dando opiniões injustas. Tem que ter cautela”, defendeu Biazoli.
Pressão
O investigador da reserva da Aeronáutica salienta que a investigação do Cenipa, que tem como objetivo prevenir novas tragédias, deve estar buscando o motivo pelo qual o piloto prosseguiu o voo mesmo sabendo que não estava em condições visuais de prosseguir. Um dos fatores que pode estar envolvido é a pressão para cumprir a missão.
“Agora é fácil falar que ele errou e não deveria fazer isso. Mas ele sabia que estava levando uma noiva cujo sonho era chegar ao casamento, com o irmão da noiva a bordo, que ele poderia estragar a festa. Às vezes, até instintivamente, o piloto força até a barra por acreditar na missão. Ele acreditou que podia prosseguir e que logo conseguiria pousar”, disse Lupoli.
“Na verdade ele errou, ele não quis ocasionar o acidente. Ele errou porque, acredito, que ele devia estar sob pressão. Porque ele deveria ter abortado o voo ou realizado um pouso de precaução ou retornado para onde decolou. Ele é um profissional que foi contratado para terminar o voo e a tendência que ele tem para terminar o voo bem e cumprir o que ele tinha comprometido é muito grande”, salienta o investigador da reserva.