Brasília – Um grupo de cientistas brasileiros planeja lançar a primeira missão espacial do país para a Lua em 2020. O objetivo é desenvolver a tecnologia nacional e estudar a vida em partes distantes do cosmo. Batizada de Garatéa, que em tupi-guarani significada “busca-vidas”, a missão é a primeira do Brasil a viajar ao espaço profundo, região além da órbita da Terra, e consiste em um nanossatélite em forma de cubo, não tripulado, conhecido como cubesat, que irá orbitar a Lua durante pelo menos seis meses.
“Planejamos essa missão desde 2013, mas só há cerca de um mês fomos aceitos em uma iniciativa europeia para conseguir embarcá-la”, explicou Lucas Fonseca, engenheiro espacial da empresa Airvantis e gerente da Garatéa, ao site de VEJA. “Será a primeira missão lunar da América do Sul e pretende fazer experimentos inéditos. Seus resultados podem ter implicações imensas não só para o conhecimento humano, mas também para a inovação e construção de tecnologia no Brasil.”
Para isso, os cientistas pretendem negociar direitos de uso de imagem, patentes e royalties.
Vida fora da Terra
O lançamento da missão lunar será feito por meio de uma parceria entre duas empresas britânicas com a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) e a agência espacial do Reino Unido, no que será a primeira missão comercial para o espaço profundo, chamada Pathfinder. O pequeno satélite brasileiro deve ser enviado ao espaço junto com um grupo de seis satélites de outros países pelo foguete indiano PSLC-C11, que já lançou com sucesso a missão Chandrayaan-1 para a Lua, em 2011. O foguete seria algo como uma “nave-mãe” para os outros satélites.
“Podemos ter experiências valiosas com os cubesats, que são satélites pequenos, de baixo custo e que começaram a ser usados no espaço profundo nos últimos anos. A ideia é usá-los para realizar uma série de testes científicos que possam nos contar como se comporta a vida fora do escudo de proteção terrestre”, afirma Fonseca.
O cientista, que trabalhou no desenvolvimento da missão Rosetta, que realizou o pouso histórico em um cometa, em 2014, afirma que a missão pretende ser o início da exploração brasileira do espaço profundo, um campo em que o país quase não tem experiência. Os trabalhos se organizaram em torno de um núcleo de estudos em astrobiologia, área da ciência que estuda a origem, evolução, dispersão e futuro da vida, tanto na Terra quanto fora dela.
Assim, além das pesquisas que envolvem o desenvolvimento da tecnologia brasileira que permita o lançamento de um satélite para o espaço, algo por si só inovador, o grupo pretende enviar também colônias de microrganismos (conhecidos como extremófilos) e moléculas para verificar como se comportam sob a radiação cósmica sem a proteção do campo eletromagnético da Terra. Eles serão enviados dentro do cubesat que tem as dimensões de 10 centímetros X 20 centímetros X 30 centímetros, pesa 7,2 quilos e será alimentado por painéis solares de 80 centímetros de comprimento.
De acordo com Douglas Galante, pesquisador do LNLS e coordenador dos experimentos em astrobiologia da Garatéa, os testes pretendem verificar a resposta dos sistemas biológicos no espaço profundo e, assim, descobrir quais os locais do sistema solar propícios à vida.
“Buscar vida fora da Terra envolve a compreensão de como os organismos se comportam em ambientes extremamente hostis, como a órbita da lua. Esse conhecimento nos ajudará a entender também aspectos importantes sobre a vida, na Terra, como nossa origem”, explica Galante.
Experiências
Em regiões distantes do sistema solar, como Marte ou Plutão, os cientistas procuram água, a condição essencial para o surgimento de vida. É a partir dessa substância que os primeiros organismos de nosso planeta se desenvolveram. Contudo, não se sabe, até hoje, qual a importância do escudo eletromagnético que protege a Terra das radiações cósmicas – será que ele não seria também determinante para o surgimento da vida? Apenas o programa Apollo, no século passado, expôs organismos vivos ao espaço profundo, em uma época em que os estudos de astrobiologia estavam no princípio.
“Conhecemos muito pouco sobre como a biologia funciona fora do escudo protetor da Terra e queremos usar a missão para testar isso e verificar como funciona a biologia no espaço. Será que outros planetas podem ser habitáveis sem esse escudo?”, diz Galante. “Faremos experimentos que parecem ficção científica, mas que estão cada vez mais próximos de nossa realidade. Eles nos ajudarão a entender a ciência básica da vida como conhecemos.”
Amostras de células humanas também estarão dentro do satélite brasileiro, em experimento coordenado por Thais Russomano, do Centro de Pesquisa em Microgravidade (MicroG) da PUC-RS, com o objetivo de analisar os efeitos das radiações cósmicas em astronautas, algo fundamental para futuras missões espaciais tripuladas à Lua ou a Marte.
Os pesquisadores devem ainda coletar imagens da Lua por meio de câmeras e investir, nesses três anos que separam o anúncio da missão do lançamento, em projetos educacionais que formem alunos de graduação e pós-graduação especializados na área espacial.
“A ideia é que essa missão seja o início da exploração brasileira do espaço profundo e mostre que somos capazes de, com nossos recursos, produzir ciência de ponta nessa área”, diz Galante.
O anúncio oficial da missão será feito na noite desta terça-feira, na Escola de Engenharia de São Carlos da USP.