São Paulo – Às vésperas de sediar uma Olimpíada o Rio de Janeiro declarou “Estado de Calamidade Pública no âmbito da administração financeira”, uma maneira de conseguir linhas de crédito mais rapidamente e desafogar as contas públicas – que têm um rombo de 19 bilhões de reais.
O caso dramático do Rio trouxe de vez de volta o debate sobre o endividamento dos Estados com a União que se arrastava desde o ano passado. Nesta segunda-feira governadores se reuniram com o presidente interinoMichel Temer (PMDB) para tentar renegociar seus débitos. O Governo anunciou uma carência de 24 meses, com desconto de 100% nas parcelas dos primeiros seis, e depois a retomada gradual dos pagamentos. São Paulo e Rio de Janeiro ainda terão rodadas adicionais de negociação para definir a situação de suas contas. Entenda.
Quais os Estados mais afetados?
Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul são os Estados mais endividados. Em março, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou o mais recente ranking das dívidas, que vai de A+, o mais bem posicionado, até D-. O Pará, com conceito B+, lidera a lista. Ao todo, 13 Estados receberam notas C ou D. Minas foi considerado em “desequilíbrio”. A nota leva em conta investimento, comprometimento da receita com dívidas, gasto com pessoal e déficit da Previdência.
De quanto é a dívida dos Estados com a União?
Algumas estimativas giram em torno de 430 bilhões de reais. Para José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a maior recessão em décadas contribui para o panorama, mas a crise é estrutural. “Vai da receita, com excessiva guerra fiscal e desindustrialização que tornaram o ICMS um imposto obsoleto, até uma expansão desmedida da despesa, com Previdência dos servidores e maiores salários vinculados ao de cargos federais”. Para Afonso, contribui para a situação “um crescimento forte de financiamentos como alternativa à baixa geração de receita própria”.
Desde quando os Estados estão endividados com a União e como funciona o pagamento da dívida?
Em 1997 a União assumiu a dívida que os Estados tinham com credores para si. “Inclusive em condições mais favoráveis de pagamento que a dos Estados”, explica Fernando Moutinho, consultor orçamentário do Senado. As parcelas são pagas mensalmente ao Governo Federal, que fica encarregado de pagar os credores.
No que a dívida dos Estados prejudica a vida da população?
“A cada mês o Estados têm uma conta para pagar que compete com todas as demais despesas: educação, saúde, segurança”, afirma Moutinho. Na prática, sobram menos recursos no orçamento dos governadores para investir em infraestrutura, custeio da máquina pública e pagamento de pessoal.
O Rio de Janeiro, por exemplo, atrasou o pagamento de 393.143 servidores públicos no mês de maio por falta de dinheiro em caixa. Em abril o Governo também precisou adiar os vencimentos de parte dos funcionários para o mês seguinte. No Rio Grande do Sul a situação é semelhante: os servidores não recebem em dia desde o segundo semestre de 2015. O 13º salário, por exemplo, começará a ser pago apenas em junho deste ano, e o salário de março foi parcelado em nove vezes.
Por sua vez, o atraso nos pagamentos provoca a precarização dos serviços públicos, e leva a greves e paralisações em alguns casos. A falta de recursos para investir prejudica a população em geral, com atraso na entrega de obras e falta de material em hospitais e escolas.
Por que o Rio de Janeiro declarou calamidade?
O Estado do Rio de Janeiro decretou “Estado de Calamidade Pública no âmbito da administração financeira” alegando profunda crise econômica, o que na prática deve permitir a adoção de medidas excepcionais para reduzir gastos e serviços públicos essenciais com vistas à realização dos Jogos Olímpicos, que começam no próximo dia 5 de agosto. A medida permite que o Estado tenha acesso a linhas de crédito da União sem precisar passar pela burocracia do Congresso. Na verdade especialistas apontam que a manobra tem duas finalidades: impedir um possível colapso da infraestrutura durante os Jogos, com greves e paralisações.
“O Rio teve um problema adicional que foi a queda do preço do petróleo e consequentemente do valor que ele arrecadava com os royalties pagos pela Petrobras”, afirma o economista Raul Veloso. Segundo ele, com a redução do preço do barril no mercado internacional as receitas do Estado despencaram: “Nos últimos anos o Rio arrecadava perto de 10 bilhões de reais com royalties, quase 15% da Receita”. Se por um lado a Estado tinha uma fonte de receita que se mostrou temporária, durante o período de bonança ele ampliou o gasto com pessoal, que é uma despesa permanente.
A Olimpíada foi um agravante para a saúde das contas públicas do Estado do Rio?
O Governo do Estado do Rio citou os compromissos assumidos para a realização dos Jogos como um motivador do decreto de calamidade. É a Prefeitura da cidade, e não o Estado, o responsável pela maior parte dos gastos da competição, mas o Governo estadual é quem garante serviços básicos, como a segurança pública. Para José Roberto Afonso, é um “erro crasso” a avaliação de que a Olimpíada pode ser um fator agravante. “O Governo estadual pouco investiu para os Jogos – a principal obra foi a do Metrô, e com financiamento de longo prazo e barato do BNDES – ou seja, nem venceu para provocar a crise estadual. Nem o Governo federal investiu muito nos Jogos, que estão sendo financiados basicamente pelo setor privado e pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Acho que é um quadro atípico, em relação aos jogos anteriores”, afirma Afonso.
Quais as consequências do decreto do Rio para os demais Estados?
“Abre-se um precedente político: se for juridicamente viável [decretar emergência], outros Estados irão usar este expediente”, explica Moutinho. “Os Estados estão em dificuldade, vão tentar fazer o que puderem para obter receitas, é o papel deles”. Por ora, nenhum Estado anunciou que irá decretar emergência. Segundo o Governo interino, os demais governadores “entenderam a excepcionalidade” do Rio.
A União fica prejudicada ao facilitar as condições de pagamento para os Estados?
“A União está renunciando a uma receita, apesar de isso não implicar um aumento de gasto”, diz Nelson Marconi, professor da Economia da Faculdade Getúlio Vargas de São Paulo, que aponta, no entanto, que isso trará problemas principalmente com relação aos juros da dívida que o Governo Federal terá que pagar aos credores.
Apenas o perdão de parte da dívida ou a ampliação dos prazos de pagamento resolve a situação financeira dos Estados?
Especialistas apontam que descontos e facilitação são apenas paliativos. É preciso que se faça uma “reforma tributária”. “É simplesmente um adiamento da situação, apenas o crescimento das receitas estaduais poderia dar um alívio definitivo à situação”, afirma Moutinho, do Senado. Para ele, o crescimento econômico poderia mitigar a crise, “mas acho pouco provável uma solução definitiva que não envolva uma mudanças nas despesas obrigatórias ou mudança na agenda tributária”, diz o consultor, que defende uma maior tributação “do andar de cima” da sociedade.
Que mecanismos existem para que os Estados não gastem mais do que podem?
“A Lei de Responsabilidade Fiscal colocou algumas amarras nos Estados principalmente com relação ao limite do endividamento”, afirma Marconi. “Mas isso não foi o suficiente”. Outra questão, de acordo com ele, é uma ineficiência de alguns Tribunais de Contas Estaduais (TCE), que deveriam fiscalizar os gastos públicos. “OS TCE não têm um quadro tão estruturado quanto o Tribunal de Contas da União para fiscalizar isso, e em alguns casos há um acordo entre o Executivo e o tribunal, e ele acaba não sendo tão rigoroso como deveria”, diz Marconi.
Que mecanismos poderiam ser implementados para que isso não continue ocorrendo?
Governo Temer anunciou que negocia, em troca da facilidade, o apoio dos Estados à PEC (Proposta de Emenda Constitucional), projeto governista para congelar o gasto público. Não estava claro todos os detalhes do acerto, do qual faria parte um projeto de lei à espera de ser votado no Congresso que propõe negociar a dívida dos Estados mediante o cumprimento, por parte deles, de algumas condicionantes que imporiam uma série de amarras ao gasto público. “Se os Estados se quiserem alguma solução a curto prazo, como prazos maiores, eles precisam cumprir condicionantes, se não o efeito é paliativo”, diz Moutinho.
Com informações El País.
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