A inépcia do poder executivo e a má gestão de empresas do setor privado fazem com que frequentemente o poder Judiciário interfira e regule na gestão. Pode ser para atender a reclamações de planos de saúde, de empresas de telefonia celular, de seguradoras etc.
Porém, esse papel da Justiça deveria ser minimizado para focalizar em questões essenciais e mesmo sobre temas novos. Mas frequentemente a interferência envolve questões básicas de gestão.
Um exemplo recente foi o caso da Justiça Federal que determinou a obrigatoriedade de assinar oponto eletrônico para todos os funcionários públicos, como médicos e dentistas, que atuam nas unidades de saúde do SUS em Rio Branco, no Acre. A ação na Justiça foi requerida pelo Ministério Público Federal do Acre (MPF-AC).
Segundo o processo, a ação “tem como objetivo garantir a existência de mecanismos de controle que inibam irregularidades nos serviços executados pelo Sistema Único de Saúde, tanto a fim de propiciar aos seus usuários a efetiva fiscalização sobre a qualidade da prestação dos serviços, como também para materializar a transparência que deve existir nos atos da Administração Pública”, conforme noticiou, por exemplo, o site G1, da Globo.
Em outras palavras, funcionários da saúde não estariam cumprindo efetivamente seus horários de trabalho. Isso estaria prejudicando ainda mais o já tão precário atendimento público de saúde.
A solução, então, seria o ponto eletrônico obrigatório, pois, ao obrigar o registro da entrada e saída, garantiria a presença física do funcionário da saúde por todo período de expediente e, portanto, sua atuação e atendimento.
Como é possível uma outra esfera de poder ter que chegar a esse nível de interferência? Onde andam os gestores desses hospitais? Por que eles não são capazes de fazer com que a pessoa apareça para trabalhar?
Se há funcionários que recebem salários e não comparecem para trabalhar, trata-se de uma falha tão elementar quanto grave de gestão.
Sabemos que esses profissionais de saúde frequentemente têm múltiplos empregos. E que uma remuneração mais adequada viria do acúmulo de muitas horas de trabalho em diversos locais.
Porém, instituir um ponto eletrônico simplesmente não garantirá a solução do problema do atendimento público de saúde. Pode gerar outras formas de burla. E os cidadãos continuam sem ter atendimento se os gestores não assumirem efetivamente os seus papéis.
Há muito tempo empresas privadas, boas ou ruins, eficientes ou incompetentes, adotam pontos eletrônicos em seus expedientes. E certamente não é esse procedimento que garante o sucesso desta ou daquela organização.
É interessante notar que “falsas soluções” como essa têm sempre a característica comum de adotar procedimentos que de certa forma resvalam e até tocam o problema que se quer resolver.
É fundamental que médicos públicos cumpram seus horários de trabalho. Mas de forma nenhuma essas pseudossoluções conseguem atingir a “causa raiz” que realmente está gerando a falha.
Em outras palavras, qual é o problema real que estaria fazendo com que médicos e funcionários da saúde do Acre não atendam eficientemente a população local, o que, aliás, ocorre na maior parte da saúde pública brasileira?
Será que é apenas uma questão de “presença física” do profissional? Ou o problema é mais complexo, com outras causas raízes, como, por exemplo, uma má gestão dos recursos, fenômeno que já começa “lá em cima”, nas altas esferas governamentais?
E há, aqui, inclusive, uma pergunta mais óbvia ainda e que quero insistir: se médicos e funcionários não estariam cumprindo seus horários de trabalho, não caberia aos seus líderes e gestores imediatos perceberem isso e buscar soluções? E onde estarão e o que estarão fazendo os chefes desses gestores?
Essas falsas soluções que ocorrem com muita frequência, em todos os lados, parecem tentar tirar a responsabilidade real de gestores e líderes de realizarem bem os seus trabalhos. A Justiça interfere no executivo, mas, pelo seu lado, muitos processos legais demoram anos e anos para serem decididos.
Ou você acredita que a simples existência de complexas licitações e leilões públicos é um modo eficiente, por si só, para garantir processos de compra transparentes e eficientes?
Ou que uma complexa regulação dos serviços de saúde poderá, sozinha, inibir hospitais e planos de saúde de “empurrar” cada vez mais procedimentos para clientes cada vez mais exauridos?
Líderes e gestores, públicos e privados, devem assumir suas reais responsabilidades. E parar de se esconder atrás de falsas soluções ou, pior, sujeitar-se a interferências do poder Judiciário, com suas também limitadas soluções.
José Roberto Ferro é presidente do Lean Institute Brasil