São Paulo = O juiz federal Sérgio Moro negou que a divulgação de telefonemas entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula tivessem alguma intenção política.
Em resposta ao pedido de informações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, o juiz federal admitiu que pode ter errado e “pediu escusas” ao Supremo.
“Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo e da referida decisão de V.Ex.ª, compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/03, provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal”, afirmou Moro.
Apesar disso, o juiz federal não se furtou a analisar cada uma das gravações e a tentar justificar a divulgação das conversas do ex-presidente Lula com a presidente Dilma e com outras autoridades, como o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa.
“O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato político-partidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional, mas, atendendo ao requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça (art. 2º, §1º, da Lei nº 12.850/2013)”, informou.
“O propósito não foi politico-partidário, mas sim, além do cumprimento das normas constitucionais da publicidade dos processos e da atividade da Administração Públicas (art. 5º, LX, art. 37, caput, e art. 93, IX, da Constituição Federal), prevenir obstruções ao funcionamento da Justiça e à integridade do sistema judicial frente a interferências indevidas”, acrescentou.
Moro afirmou ainda nas 31 páginas de resposta ao ministro Teori Zavascki que não havia percebido que a ligação da presidente Dilma para o ex-presidente Lula para falar do termo de posse na Casa Civil foi gravada após o horário definido por ele, Moro, para as interceptações.
“Certamente o Juízo havia reparado no diálogo já ao proferir o despacho de 16/03/2016 ( evento 135). Mas, sinceramente, não havia atinado para o horário da interceptação, o que motivou o novo despacho de 17/03/2016 para esclarecer o ocorrido e determinar a conservação do diálogo nos autos sem prejuízo de eventual diferente deliberação do Supremo Tribunal Federal”, escreveu Moro.
E o juiz afirmou que não viu, nesses diálogos, indícios da prática de crime. “Quanto ao conteúdo, da mesma forma que os demais, entendeu este julgador que ele tinha relevância jurídico-criminal para o ex-presidente, já que presente a apuração se a aceitação por ele do cargo de ministro Chefe da Casa Civil teria por objetivo obter proteção jurídica contra as investigações”, acrescentou.
Moro argumentou ainda que a investigação tinha por foco condutas “supostamente criminais” do ex-presidente. “Entendi que não haveria óbice na interceptação e no levantamento do sigilo”, afirmou Moro. “No momento, de fato, não percebidos eventuais e possíveis reflexos para a própria Exma. Presidenta da República”, acrescentou.
No áudio mencionado por Moro, a presidente Dilma diz a Lula que enviou o termo de posse do ex-presidente como ministro da Casa Civil para usar “em caso de necessidade”. A gravação foi divulgada na véspera da posse de Lula na Casa Civil. Moro diz que a apreensão da gravação foi “algo muito fortuito”. Naquele mesmo dia, várias cidades do Brasil registraram manifestações em favor do impeachment. E o processo contra a presidente ganhou força.
As informações prestadas por Moro ao Supremo atendem à determinação do ministro Teori Zavascki. Na semana passada, o ministro do STF determinou que Moro enviasse a Brasília a íntegra das investigações da Lava Jato que envolvem o ex-presidente Lula.
Na sua decisão, o ministro Teori Zavascki afirmou: “Não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações do modo como se operou, especialmente daquelas que sequer têm relação com o objeto da investigação criminal. Contra essa ordenação expressa, que – repita-se, tem fundamento de validade constitucional – é descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade”.
Leia a íntegra do ofício encaminhado por Moro ao ministro Teori Zavascki.
Veja o resumo que o próprio juiz Sérgio Moro fez das justificativas para autorização das interceptações telefônicas e da divulgação das conversas.
Chegando ao final e solicitando escusas pela extensão dessas informações, as decisões deste Juízo em 16/03 e 17/03, que atenderam requerimento do Ministério Público Federal, tiveram presentes as seguintes premissas:
a) a interceptação tinha justa causa e estava amparada na lei;
b) a medida tinha por foco exclusivo condutas do ex-presidente e associados destituídos de foro por prerrogativa de função;
c) foram colhidos fortuitamente diálogos do ex-presidente com autoridades com foro por prerrogativa de função sem que estas tenham sido investigadas ou interceptadas;
d) foram colhidos diversos diálogos do ex-presidente com conteúdo jurídico-criminal relevantes por revelarem condutas ou tentativas de obstrução ou de intimidação da Justiça ou mesmo solicitações para influenciar indevidamente magistrados, sendo também colhidos diálogos relevantes para o objeto da investigação em curso, de fundada suspeita de ocultação de patrimônio em nome de pessoas interpostas;
e) não foram colhidas provas de condutas criminais dos interlocutores com foro por prerrogativa de função, inclusive de que algum deles teria aceito as solicitações do ex-Presidente para obstruir, intimidar ou influenciar indevidamente magistrados;
f) Roberto Teixeira foi interceptado porque investigado, envolvido diretamente nos supostos crimes sob investigação, a suposta aquisição do sítio em Atibaia com utilização de pessoas interpostas, e não como advogado, não havendo imunidade, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quando o advogado envolve-se em práticas criminosas;
g) foram juntados aos autos e, por conseguinte, publicizados apenas diálogos considerados juridicamente relevantes para a investigação criminal e os demais, quer protegidos por sigilo profissional ou eminentemente privados, foram resguardados em arquivos eletrônicos não publicizados e que deverão ser submetidos, após o contraditório, ao procedimento de inutilização;
h) há diálogos selecionados pela autoridade policial como relevantes e que parecem ser eminentemente privados, mas em realidade contém aspectos relevantes para a investigação, como aqueles que indicam que o sítio em Atibaia está no poder de disposição da família do ex-presidente e não do formal proprietário;
i) a praxe deste Juízo sempre foi o de levantar o sigilo sobre processos de interceptação telefônica, inclusive para diálogos relevantes para a investigação, após o encerramento da diligência, o que não discrepa da prática adotada em outros Juízos e, aparentemente, também por este Egrégio Supremo Tribunal Federal, conforme, salvo melhor juízo, precedente acima referido; e
j) a competência, focada a investigação nas condutas do ex-presidente, para decidir sobre o pedido de levantamento de sigilo sobre o processo, que continha diálogos relevantes para investigação criminal de condutas do ex-presidente, era deste Juízo, em 16/03, quando o ex-presidente não havia ainda tomado posse como ministro.
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