São Paulo – Uma proposta de mudança na lei dos planos de saúde, de 1998, pode ser apresentada em menos de um mês na Câmara dos Deputados e afetar a vida de 47,6 milhões de usuários.
Criticada por entidades de defesa do consumidor, a reforma pode liberar o livre reajuste dos planos individuais e acabar com o rol mínimo de coberturas obrigatórias, entre outras alterações importantes. A proposta tramita em regime de urgência no Congresso, por meio de uma comissão especial, que pretende reunir as mudanças sugeridas por 140 projetos de lei desde 2006.
Nesta semana, 14 entidades —entre elas o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)— divulgaram um manifesto em que denunciam que a reforma atende aos interesses das operadoras.
A nota ressalta que uma das alterações pode proibir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de planos de saúde. Isso significa que as decisões judiciais em ações contra planos de saúde não poderiam mais se basear no Código.
“Hoje, os contratos de planos de saúde estabelecem relações de consumo e o Código de Defesa do Consumidor protege a parte mais fraca dessa relação”, explica a advogada Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Idec.
Atualmente, a maioria das decisões judiciais é favorável a consumidores. Segundo um estudo da Faculdade de Medicina da USP, as ações contra planos de saúde na Justiça de São Paulo aumentaram 631% entre 2011 e 2016. O principal problema que vai parar na Justiça é a negativa de atendimento e a exclusão de coberturas.
Outras mudanças
A mudança na lei dos planos de saúde também pode autorizar a venda dos chamados planos “populares ou “acessíveis”. Segundo entidades de defesa do consumidor, esses planos teriam imensas restrições de coberturas.
A reforma também pode acabar com o ressarcimento ao SUS, que, segundo a lei de 1998, deve ser feito toda vez que um cliente de plano de saúde é atendido na rede pública.
O manifesto em defesa dos usuários alerta que a alteração da lei está sendo feita “a toque de caixa” e que “é crescente a insatisfação de brasileiros que usam planos de saúde, devido a exclusões de cobertura, barreiras de acesso para idosos e doentes crônicos, reajustes proibitivos, rescisões unilaterais de contratos, demora no atendimento e problemas na relação entre operadoras e prestadores de serviços”.
“A atual lei de planos de saúde tem muitas lacunas e brechas que favorecem o mercado. Ela precisa de mudanças, mas não essas que estão sendo discutidas”, ressalta a advogada do Idec.
O outro lado
O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da comissão especial que analisa os 140 projetos de lei e vai apresentar a proposta de reforma, disse que a quantidade de projetos demonstra a necessidade de aperfeiçoamento da lei, que completa 19 anos.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) surgiu depois da lei que estruturou o setor. Segundo o relator, as mudanças na legislação devem ser feitas preservando o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, para garantir a “saúde” das empresas.
Para o diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), José Cechin, o relator da proposta está aberto a ouvir as entidades de defesa do consumidor, que devem sugerir soluções além de apontar erros.
“Se fizermos uma lei atrativa só para as operadoras, os consumidores não vão comprar planos de saúde. Um mercado saudável é aquele que atende aos dois lados para haver negócio”, diz.
O diretor da FenaSaúde concorda que há necessidade de aperfeiçoar a lei para reduzir as ações judiciais contra os planos, que acontecem especialmente por negativa de cobertura.
“Há muitas decisões que não respeitam o que está escrito na resolução da ANS e no contrato. Entendemos a preocupação com a vida de quem vai buscar direitos na Justiça, mas é preciso respeitar a norma. Se o preço do produto foi calculado sem incluir o procedimento, a pessoa não tem direito a ele e está pleiteando um benefício adicional. Isso não deveria ser chamado de negativa”, justifica.
Em nota, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) informa que, “ ao contrário do exposto no manifesto, conforme uma recém-publicada pesquisa conduzida pelo Ibope a pedido do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), 80% das pessoas estão satisfeitas ou muito satisfeitas com o seu plano de saúde o principal motivo é a qualidade do atendimento”.
Também disse que “o acesso ao plano de saúde é o terceiro maior desejo de consumo do brasileiro, atrás apenas de educação e moradia”.
Para a entidade “outra inverdade é a de que os idosos encontram ‘barreiras´ para contratarem planos de saúde. No mesmo período que o país perdeu cerca de 3 milhões de beneficiários, a faixa etária de 59 anos ou mais não interrompeu o seu crescimento, obtendo mais 250 mil clientes”.
A Abramge afirmou que “considera saudável todo e qualquer debate que tenha como objetivo propor melhorias, permitindo, assim, o contínuo aprimoramento da qualidade assistencial e expansão do acesso à saúde”. “Independentemente de como avançar as tratativas, cumpre ressaltar que o setor se compromete a manter os mais altos padrões de qualidade assistencial para seus beneficiários”, disse o comunicado.
A entidade também destacou que “ a saúde suplementar vem se aperfeiçoando continuamente: segundo o levantamento do Sindec – Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, que reúne dados de todos os Procons do país, em 2016, o setor de planos de saúde recebeu 35.318 notificações dentre 1,5 bilhão de atendimentos realizados, o que equivale a uma reclamação para cada 42.471 atendimentos, apenas 0,002% do total”.
Com informações Exame.com