Se doar é um ato de amor, na vida de Antonio Jocimar da Silva, 55 anos, junto ao seu filho adotivo Luciano Lopes, 35 anos, essa expressão ficou ainda mais marcante em uma atitude heroica: Luciano recebeu a doação do rim do próprio pai, em um procedimento feito, pela primeira vez, na rede pública de saúde do Amazonas realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
De forma delicada e de alto risco, o transplante marcou a história da família que, neste mês de celebração do Dia dos Pais, demonstra o valor do amor paternal que coloca em prova a própria vida.
Essa trajetória de afeto iniciou quando Luciano chegou na vida de Jocimar, aos 2 meses de vida, em virtude da mãe biológica de Luciano não ter condições de cuidá-lo devido às dificuldades financeiras, na época.
Desde então, o vínculo afetivo passou a fazer parte da vida de Jocimar, que também tem uma filha biológica de 33 anos. Esse cuidado e atenção sempre foi a característica de Jocimar com Luciano, com incentivo à prática de esportes, estudos e trabalho, em todas as fases.
Mas a vida preparou os obstáculos nessa caminhada. Após ter contraído duas vezes Covid-19, em 2021, Luciano ficou com sequelas da doença nos dois rins, chegando a ter falência dos órgãos. Daí em diante, uma batalha pela sobrevivência fez parte da sua rotina. O processo de hemodiálise passou a ser feito após Luciano ter ficado internado e em coma, no Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto, unidade vinculada à Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM).
O tratamento durou dois anos, sendo realizado três vezes por semana, com duração de quase quatro horas.
“Ele sempre esteve muito presente na minha vida; quando fiquei doente eu vim para casa dele; e quando fiquei entre a vida e a morte, ficamos mais unidos ainda, uma vez que passei um período de dois anos de forma muito delicada com a hemodiálise”, lembra Luciano.
Nessa linha do tempo, Luciano tornou-se paciente do programa “RespirAR”, do Governo do Amazonas, que trata das sequelas deixadas pela Covid-19 em pacientes já recuperados da doença. Ele foi selecionado, no primeiro trimestre de 2023, para participar do programa de transplante renal no estado, em virtude do seu quadro de saúde. Mas para isso, era necessário um doador compatível para fazer o transplante. Foi quando Jocimar se prontificou a ser doador. Exames e testes de prova cruzada foram feitos e confirmada a compatibilidade para a doação.
“Eu já havia dito a ele que seria seu doador. E a irmã dele, Amanda da Silva, também disse que era doadora. E quando fizemos o exame que atestou a minha condição de ser doador, fiquei muito feliz. Eu não pensei nem duas vezes, e fiquei alegre porque podia ser doador dele”, disse Jocimar, que precisou se afastar do seu trabalho como auxiliar de refrigeração devido ao procedimento cirúrgico.
Uma nova vida
Após três meses de intensos exames feitos no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, no bairro Colônia Terra Nova, zona norte de Manaus, unidade de saúde referência neste tipo de procedimento no estado, a cirurgia foi realizada, no dia 5 de julho, com muito êxito.
Jocimar teve alta primeiro que Luciano, em virtude dos procedimentos pós-cirúrgicos. No dia 20 de julho, pela primeira vez, uma unidade de saúde do Governo do Amazonas utilizou o sinal: “Atenção, código esmeralda!”, que indica a alta de um paciente transplantado renal. Era Luciano deixando o hospital, e o início de uma nova vida a ser percorrida daquele dia em diante.
“No dia em que ele recebeu alta foi uma alegria muito grande. Eu estava ansioso porque ele estava internado, na UTI. Antes ele era meu filho de coração, e a partir dessa doação, do meu rim para ele, ele tem uma parte de mim dentro dele; agora ele é meu filho de sangue; meu amor está maior ainda. Quando passamos por essas situações e conseguimos vencer, o amor e carinho crescem um para com o outro; a gente tem mais amor ainda”, disse Jocimar bastante emocionado.
Luciano Lopes, que também é pai de dois meninos, externou seu sentimento junto ao seu pai ‘biológico’. “Não tem explicação de amor de pai para filho. O pai é herói; ele foi meu herói e está sendo meu herói; e isso serve de exemplo para mim como filho; fora o afeto e amor, não tinha nada biológico, mas com o transplante agora podemos dizer que somos pai e filho biológicos”.
Planos e projetos não faltam para Luciano Lopes. “A hemodiálise me deu uma chance de ficar vivo; o transplante virou meu recomeço de vida; agora tenho chance de continuar as minhas metas como homem, pai, filho, e voltar ao mercado de trabalho, voltar a estudar e ser uma nova pessoa”, disse.
Para esse dia dos pais, tanto Jocimar quanto Luciano expressam a mesma lição de vida. “Tem de ter muito amor; e meu amor pelo meu filho é muito grande; a maior felicidade é ver meu filho feliz sem sofrimento; e me sinto feliz em ter dado essa parte de mim para ele”.
“É um amor que não tem tamanho e explicação; quem tem seu pai vivo, familiar e pessoas que você ama, abrace mais e ame mais; diga que ama; beije mais; a incerteza do dia de amanhã é uma dúvida em nossa vida; te amo muito, meu pai. Todo filho tem o pai como herói e você é meu herói”, disse Luciano para Jocimar.
Procedimento cirúrgico
O transplante renal é um tratamento para pacientes com diagnóstico de insuficiência renal crônica, estando o doente em diálise ou mesmo em fase pré-dialítica. As consultas com os pacientes de transplante para avaliação pré-transplante iniciaram, em abril, após estabelecimento de critérios para o agendamento via complexo regulador.
O ambulatório projetado exclusivamente no Hospital Delphina Aziz para pacientes transplantados foi inaugurado em dezembro de 2022. O atendimento iniciou por pessoas que já realizaram os procedimentos em outros estados, que antes eram acompanhados por outra unidade de saúde. Atualmente, o Amazonas tem cerca de mil pacientes em diálise e cerca de 700 pacientes inscritos em outros estados que, a partir de agora, poderão realizar os procedimentos em seu próprio estado.
No dia 19 de julho, o Governo do Amazonas realizou mais duas cirurgias de transplante renal na rede pública de saúde do Estado, por meio do SUS. Os dois procedimentos ocorreram no Hospital e Pronto-Socorro Delphina Aziz. Os transplantes são decorrentes de doações entre mães e filhos.
FOTOS: Lucas Silva / Secom