Manaus – Em depoimentos ao TRE nesta quinta-feira, 17, oficiais, soldados e ex-soldado da Polícia Militar do Amazonas fizeram relatos de corrupção disseminada em vários níveis na corporação sob o comando e pressão do Governo do Estado durante o período eleitoral de 2014. Os depoimentos mais contundentes foram do tenente-coronel Fabiano Machado Bó, do major Franciney Machado Bó e do ex-soldado Gerson José Feitosa de Oliveira.
Sete pessoas foram ouvidas durante audiência no TRE, neste dia 17, por mais de oito horas, como parte do processo apresentado pelo Ministério Público Eleitoral que pede a cassação e inelegibilidade por oito anos do governador José Melo (Pros), do vice Henrique Oliveira (SD) e do deputado estadual Platiny Soares (DEM). O relator do caso é o corregedor eleitoral João Simões.As informações são do portal Amazonas Atual.
“Montaram um comando paralelo ao comando geral, para, digamos assim, movimentar esse efetivo. Eu controlava [o efetivo da Polícia Militar] com interesse único de eleger [Platiny e Melo]. Por isso, o poder para movimentar o efetivo. Dentro do contexto político eu era o coordenador geral da campanha do Platiny. Eu era da entidade que mobilizava e controlava o efetivo e cuidava da eleição dele. Então, o coronel ligava para mim para saber, já que eu era o coordenador; ele requisitava essas pessoas [soldados] para que eu pudesse movimentá-las”, declarou o ex-soldado Gerson Feitosa. Na época da campanha em 2014, Gerson era lotado na 12ª Cicom.
Ele disse que na Polícia Militar todos sabiam que o coronel James Frota era o responsável pelo comando de campanha de José Melo no interior. Em 2015, o coronel Frota era o Comandante do Policiamento do Interior (CPI). Após o afastamento e posterior exoneração do comandante Eliézio Almeida da Silva, Frota assumiu o comando da PM do Amazonas. Mas também foi afastado do cargo neste ano, dias antes de ir ao ar no programa Fantástico, da Rede Globo, gravações telefônicas mostrando comandos dele durante a eleição, que coincidem com os depoimentos prestados nesta quinta ao TRE do Amazonas.
“O coronel Frota, que era o coordenador da campanha do governador no interior, principalmente do efetivo, para fazer qualquer tipo de alteração, me pedia policiais militares da minha confiança, os que tivessem interesse de eleger tanto Platiny quanto o governador; que eu tirasse policiais de locais variados para não desestabilizar a polícia (…). Esta operação ocorreu no primeiro e segundo turnos (…). Direcionar nomes [de soldados] para comprar votos, e de preferência que votassem nos locais, que fossem para lá [municípios do interior] para participar deste esquema de compra de votos e convencimento do eleitor a votar no nosso candidato”, declarou o ex-soldado Gerson Oliveira.
As testemunhas revelaram bastidores de atos que, segundo eles, indicaram o aparelhamento da PM para captar ilicitamente votos dentro e fora da corporação para os candidatos do grupo; e negociação de atos administrativos e funções dentro da polícia a partir da motivação eleitoral. Além de guerra interna entre os oficiais que se negavam a atuar como cabos eleitorais do governador.
Comando paralelo
Dentre as questões apontadas pelas testemunhas como as mais graves, que levaram à deterioração da instituição Polícia Militar do Amazonas, a partir do mais alto escalão do Governo do Estado, está a criação de um comando paralelo com o intuito de manipular o envio “soldados de confiança” para evitar ilícitos da campanha adversária e comprar votos para José Melo. Tudo sob o comando de um soldado em detrimento de policiais de alta patente que estavam oficialmente à frente dos batalhões.
Gerson afirmou que os soldados, ao invés de usarem a viatura da polícia para combater boca de urna e transporte irregular de eleitores, foram orientados a agir ilegalmente. “Nessa eleição foi muito comum [escolta de material e dinheiro de campanha]. Fizemos escoltas de material de campanha e dinheiro. Havia também o uso dos policiais fardados. No dia da eleição, com serviço coordenado de certa forma pela gente, a coordenação de campanha de Platiny, porque a gente tinha mais acesso ao eleitorado da polícia. Policiais carregaram eleitores nas viaturas e [houve] distribuição de santinhos, em Manaus e no interior”, disse.
Melo e Zaidan
Em seu depoimento, Gerson Feitosa afirmou que a mentoria do comando paralelo foi organizada no gabinete da Casa Civil, sendo que parte das ações foram combinadas ou partiram do ex-chefe da Casa Civil do Governo do Amazonas Raul Zaidan e do governador José Melo.
Tudo começou quando um grupo de praças e soldados, entre os quais Gerson e Platiny, realizaram uma greve reivindicando melhorias de condições trabalho para a categoria, em abril de 2014. A greve durou menos de 24 horas e o governador José Melo usou o eufemismo “manifestação por reivindicações” para dizer que não se tratou de greve, o que seria ilegal para membros da Polícia Militar, de acordo com o estatuto da corporação.
Platiny Soarea também havia sido expulso da Polícia Militar por um ato de insubordinação na Assembleia Legislativa, em 2012. Ele recorreu à Justiça, e a Procuradoria Geral do Estado (PGE), se posicionou favorável ao ato de expulsão dele da corporação.
Porém, um decreto do governador assinado no dia 4 de setembro de 2014 desfez a expulsão às vésperas da eleição e implicou diretamente na liberação de Platiny para a eleição. O registro dele havia sido impugnado pelo Ministério Público Eleitoral em função da expulsão.
“Existia uma preocupação porque o Platiny respondia a um processo demissional. Por conta disso ia ser barrado pela Lei da Ficha Limpa (…). A gente estava numa reunião atrás Associação de Cabos e Soldados, quando recebi ligação no celular dele [do Platiny] e eu atendi. Era o Raul Zaidan. Pediu para a gente encerrar e deslocar para a Casa Civil para uma reunião. Chegando lá estavam o Coronel Eliézio (então subcomandante da PM Eliezio Almeida da Silva) e Marcos César. Nos apresentaram, a portaria [decreto] reincluindo o Platiny, anulando o processo demissional dele. Nos perguntaram: ‘O que vão fazer agora?’ O coronel Eliézio disse que era um presente para ele concorrer ao pleito, mas que tomássemos uma postura e decidíssemos o lado que íamos ficar”, afirmou Gerson.
O soldado disse que essa conversa na Casa Civil ocorreu no dia 3 de setembro e que o ato ainda não estava assinado. Gerson revelou ainda que, durante a campanha, presenciou entrega de dinheiro para ser usado por Platiny sem que os valores circulassem de forma oficial e regular, indicando Caixa 2. Após declarar essa informação no início do depoimento, não foi mais questionado sobre o fato na audiência.
O ex-soldado afirmou que o carro usado durante a campanha de Platiny foi cedido e não sabia dizer se era pago pelo governo. “Era muito próxima a relação do Platiny e do governador. Se falavam várias vezes ao dia. Andávamos numa cabine branca, não sei se era do Estado, era alugada para a campanha”, disse.
Gerson disse que ouviu no viva voz uma ligação telefônica do governador José Melo para Platiny e que os dois se falavam com frequência diária durante a campanha. “No final do primeiro turno, o governador ligou. Indagou sobre o material transportado em Iranduba da campanha adversária. Pediu para Platiny mandar um pessoal lá e abordar. Platiny estava com a eleição praticamente ganha. A possibilidade de quem transporta dinheiro estar com escolta é grande. Se eles estivessem escolta policial e esses policiais reagissem, colocariam em xeque a eleição do Platiny. Falei que o Platiny não se metesse na situação”, afirmou Gerson, dizendo que desestimulou o deputado a atender ao pedido do governador.
Perseguições e aparelhamento
O oficiais, que participaram da audiência como testemunhas indicadas pelo Ministério Público Eleitoral, relataram a ebulição de uma guerra interna entre os oficiais da PM-AM a partir de ordens do então subcomandante Eliézio Almeida da Silva. De acordo com os depoimentos, as ordens que partiam do comando tinham como principal motivação o empenho na campanha com o objetivo de colocar a tropa a favor da reeleição de José Melo.
De acordo com o depoimento do tenente-coronel Fabiano Bó, o coronel Frota comandava distribuição de dinheiro na campanha de Melo. “Chaguinha sacava dinheiro, passava para ele e dali eles pediam apoio de viaturas descaracterizadas da Polícia Militar para escoltá-los e não ocorrer nenhum assalto. Uma das pessoas que eles entregavam esse dinheiro era o coronel Frota, que comandava boa parte ou a maior parte da distribuição desse dinheiro no interior do Estado. Ele operacionalizava esse dinheiro arrecadado pelo Chaguinha e outros empresários como Orsine Oliveira Júnior”, disse.
Fabiano Bó disse que tomou conhecimento destes fatos após ouvir relatos de policiais deslocados para o interior. Segundo ele, Chaguinha é um empresário que mantinha contrato com o governo na área da Educação.
Segundo Fabiano Bó, policiais e oficiais eram corrompidos a atos irregulares e até à desobediência da Justiça Eleitoral. Neste ponto, Fabiano Bó citou Borba como exemplo: um oficial foi questionado pelo comando por apreender material de Melo. Ao justificar que era ordem da Justiça Eleitoral, foi retirado da cidade.
Fabiano Bó disse que as perseguições eram praticadas contra quem se negasse a ceder ao assédio. Ele disse no depoimento que não era preciso nem mesmo ter predileção por candidatura contrária ao Governo. Bastava se negar a fazer atos ilegais. O tenente-coronel era o comandante de Policiamento Especializado, que comanda os batalhões especiais da PM. Disse que pediu exoneração por não concordar com atos de campanha dentro do quartel.
Ele afirmou ainda que durante a campanha houve a criação virtual de batalhão, operações fantasiosas, divulgação de dados “inflados” para mídia e publicação dos mesmos, nomeações, cancelamento de punições, transferências e policiais sem pisar no batalhão para trabalho na campanha. Ele afirmou que nomeações verbais, sem publicação oficial, indicavam policiais para atuarem em um batalhão que não existia de fato e que servia de camuflagem para atuação eleitoral de policiais.
“Entreguei o cargo por não aceitar trabalhar de forma ilícita. Sempre tem politização. Onde tem poder tem dois grupos disputando esse poder. Sendo que nunca vi o aparelhamento da Polícia Militar como em 2014”, afirmou Fabiano Bó.
Assédio
O irmão dele, o major Francinei Machado Bó, afirmou que a postura colocou os dois numa espécie de limbo dentro da corporação; que eles se apresentavam no batalhão, mas não eram designados para trabalhar. Passavam quase o dia todo conversando debaixo de uma árvore porque sequer havia lugar para eles sentarem. Franciney afirmou que o assédio também ocorreu após tentativa ilegal de prisão dos dois, o que foi suspenso por decisão do TJAM. Ele disse que nem o pedido de férias dele foi analisado. “Tem itens que indicam, que justificam recolhimento das armas. Minha arma foi retirada sem nenhuma dessas justificativa”.
O major afirmou também que a comissão formada para analisar a questão dos soldados e praças grevistas foi outro ato do governo apenas para fazer arranjo eleitoral. “Essa comissão era para estudo e implantação das reivindicações das manifestações dos soldados e praças, mas foi usada para operacionalizar a campanha. Não conheço nenhum resultado concreto dessa comissão. Só faziam campanha”, indicou.
Foi Franciney quem fez a gravação de reunião de oficiais que consta nos autos indicando orientação para empenho em favor de Melo. “Na reunião ficou definido que haveria direcionamento da ação de acordo com os índices de popularidade do Governo. Operações para dar sensação de segurança onde o governo estava mal avaliado neste item”, disse.
Quatro depoimentos
Os outros três depoimentos prestados na quinta-feira, de Franklites Correa Ribeiro, de Antônio Souza Brandão, Márcio Carvalho Sarquis e Flávio Gomes Souza Ramos não levantaram polêmicas como os dos irmãos Bó e Gerson. Apenas o tenente-coronel Antônio Brandão, que disse não lembrar exatamente o que foi conversado na reunião gravada dos oficiais, admitiu que se o tom e palavras foram as que o procurador eleitoral Victor Riccely leu para ele indicavam direcionamento de ação a favor da campanha de Melo.
Todos eles foram indicados pelas defesas de Melo, Platiny e Henrique. Márcio Sarquis e Gerson Feitosa prestaram depoimento como informantes e não como testemunhas em função das nomeações e doações que fizeram à campanha de Platiny em 2014.
Quatorze testemunhas foram arroladas no total, porém foram dispensadas ao longo da audiência por desistência das defesas que as haviam apontado para serem ouvidas no processo.
Com informações Amazonas Atual.