São Paulo – Por 11 anos, o engenheiro de alimentos Ricardo Martinez, de 47 anos, foi executivo da DSM, empresa de produtos nutricionais de Campinas, em São Paulo. Ingressou como gerente, manteve o cargo durante uma fusão, chegou a diretor — primeiro no Brasil, depois na América Latina — e, por fim, tornou-se responsável também pela operação da Ásia.
Durante sete anos, foi o emprego ideal. Vieram então uma expatriação frustrada e uma chefe tirana, e a carreira desabou. Primeiro, diz Ricardo, a empresa o transferiu para Singapura, o que obrigou sua esposa, dentista, a desmontar o consultório e fez seu filho perder um ano escolar. A experiência no Oriente durou poucos dias.
Mal havia chegado, Ricardo foi comunicado que tinha uma nova chefe e que deveria voltar ao Brasil. A frustração trouxe danos para a família. Meses depois, o casamento acabou e Ricardo atribui à expatriação malsucedida a culpa pelo divórcio. A relação com a chefe foi mais danosa.
Em três anos, o executivo narra um histórico de confitos, objetivos irrealizáveis, ameaças e uma promoção a diretor que não foi registrada em sua carteira de trabalho. O resultado é um processo de assédio moral que Ricardo move contra a empresa.
Depois de três anos sendo ameaçado, Ricardo tentou se defender. Terminado um ano fiscal em que conseguiu atingir os resultados, ele foi reclamar com o presidente da empresa das ameaças que recebia. Se a queixa surtiu algum efeito, foi o contrário do esperado. A empresa decidiu rebaixá-lo: deixaria de ser diretor e voltaria a gerente.
Já prevendo o desfecho, resolveu pegar pesado na avaliação anual. “Registrei que vinha sendo assediado e que a empresa não havia se posicionado sobre o assunto”, diz Ricardo. Finalmente, a demissão ocorreu.
No processo que corre em primeira instância, Martinez acusa a DSM de: 1) Prejuízos psicológicos, com depressão diagnosticada. 2) Rebaixamento de cargo. 3) Ausência de registro de promoção a diretor na carteira profissional. 4) Ameaças constantes de demissão.
“Por todo o estresse que passei e pelas ameaças, decidi processar a empresa”, diz Ricardo. A DSM informou que não se manifesta sobre processos em trâmite.
De quem é a responsabilidade?
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 42% dos brasileiros já sofreram assédio moral no trabalho. Em qualquer caso, o culpado é quem pratica. Pode ser uma pessoa ou um grupo, mas sempre há um responsável.
Nessa discussão, existe um aspecto menos discutido: até que ponto as vítimas relaxam a guarda e permitem que o ataque ocorra. Atribuir qualquer responsabilidade à vítima seria uma segunda injustiça.
Mas, sem querer punir novamente quem já sofreu demais, é preciso avançar na questão e verifcar que precauções podem ser tomadas para evitar situações de assédio.
Se o seu chefe te submete a situações vexatórias, exige missões impossíveis ou alfineta sua auto-estima com trabalhos inexpressivos, você pode estar sendo vítima de assédio moral.
Assim como o sexual, o assédio moral é a repetição de atitudes, por parte de quem está acima na hierarquia, que tornam insustentável a permanência do empregado.
Ainda sem regulamentação jurídica, pode ser caracterizado por condutas previstas no artigo 483 da CLT (Consolidação das Leis de Trabalho).
“Tudo que foge às regras sociais ou às práticas definidas no contrato de trabalho pode se configurar como assédio moral”, disse a advogada trabalhista Isabella Witt.
Para Witt, um dos principais motivos do assédio é o fato de o empregador desejar o desligamento do funcionário, mas não querer demiti-lo, em função das despesas trabalhistas decorrentes. “Cria-se, então, uma situação insustentável em que o empregado é levado a pedir demissão”.
De acordo com a advogada, o empregador pode tomar atitudes que prejudicam psicologicamente, o funcionário. “É o caso do chefe que exige o cumprimento de metas inatingíveis ou, no extremo oposto, dá menos trabalho ao funcionário, afetando sua auto-estima”, afirma Witt.
A advogada conta que há casos em que o chefe prejudica deliberadamente um funcionário de quem não gosta, negando, por exemplo, folgas em emendas de feriado quando outros empregados são dispensados. “Em linhas gerais, quando um funcionário é submetido a um tratamento pior ao oferecido aos outros, quando é posto de lado, pode estar sofrendo o assédio moral”, disse Witt.
“Recebi um cliente que foi obrigado por seu chefe a subir em uma mesa e dançar na frente de todos os seus colegas de trabalho. O chefe tinha determinado metas de venda e disse que quem não conseguisse cumpri-las teria que fazer os outros rirem”.
Segundo a advogada, grande parte dos trabalhadores nem sabe que existe a possibilidade de processar seus chefes e empregadores em virtude de humilhações no trabalho. “Há também quem, por conta do desemprego, prefere submeter-se ao assédio moral a reclamar seus direitos na Justiça”.
Mascaro lembra também que os empregados que sofrem assédio moral se sentem desconfortáveis ou mesmo inseguros ao narrar as atitudes do superior hierárquico. “Mesmo diante de advogados, as pessoas têm vergonha de contar o que passam no trabalho. Elas também se sentem inseguras quanto aos fatos que julgam ser assédio”.
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