Brasília – Líder do Governo Michel Temer na Câmara dos Deputados, Lelo Coimbra (PMDB-ES), aposta que a reforma da Previdência será aprovada ainda em maio pelo Legislativo. Em entrevista ao EL PAÍS, ele sugere que a greve geral desta sexta-feira pesou na decisão de votar logo a reforma trabalhista nesta semana e diz que a oposição apresenta argumentos fantasiosos para barrar as mudanças nas aposentadorias. A seguir, os principais trechos da entrevista.
P. A aprovação da reforma trabalhista nesta quarta-feira tinha o objetivo de tirar o peso da greve geral?
R. Há uma movimentação em curso e nós precisávamos nesta semana ter uma posição consolidada. Até para que nós pudéssemos fazer uma movimentação com mais tranquilidade, fora da cena de tensão da primeira votação em um segundo ponto. A tensão ficou mais circunscrita à uma demarcação de posição por parte da oposição. Mas os votos mostravam que estavam convergindo.
P. Explique melhor essa questão de não ser influenciado pela greve geral de sexta-feira, por favor. Você acredita que conforme o tamanho do protesto, alguns deputados poderiam mudar seus votos?
R. Quando falo de sexta-feira é porque tínhamos um cronograma de agendas já estabelecido. Tínhamos um relatório que considerávamos bem elaborado e bem articulado pelo excelente trabalho que o relator Rogério Marinho (PSDB-RN) fez. E precisávamos demonstrar que a base do Governo sustentava essa posição. Demonstrar essa posição de sustentabilidade neste momento que antecede a movimentos grevistas era importante. Além disso, prevemos iniciar a votação da reforma da Previdência já na próxima semana.
P. Votar a reforma da Previdência já no plenário também?
R. Não. A partir de terça-feira, na comissão especial. Para o plenário não temos uma data fechada. Prevemos para a partir do dia 8 de maio estarmos com o texto pronto. Creio que até o dia 20 teríamos essa votação concluída.
P. Por que a pressa nessa proposta de emenda constitucional?
“Essa forma como a oposição trata o déficit da Previdência é como oferecer um pote de ouro no final do arco-íris”
R. Não é pressa. É porque o Brasil está muito atrasado em relação a esses temas. Desde o período do Lula deveria ser feito. Mas pela zona de conforto em que ele viveu no cenário internacional favorável, preferiu não entrar nessa briga. Ele tinha essa figura muitoiconizada. Embora tivesse discurso, não tinha formulação.
P. Mas ele tinha a base para aprovação.
R. Tinha, mas não aproveitou a oportunidade naquele momento quando o custo de uma reforma da Previdência seria menor. Naquele período, ele poderia trabalhar com o tempo diferente. Agora não, trabalhamos com uma urgência. Além da questão demográfica, temos uma recessão econômica e um sistema que precisa se reerguer, não só associado à economia brasileira, quanto à sustentabilidade da própria Previdência. Essa importância do tempo tem a ver com a urgência da tese. Ao mesmo tempo, temos de trabalhar com a menor possibilidade de contaminação de processo eleitoral.
P. Ou seja, vocês querem afastar qualquer impacto que essas reformas trariam nas eleições de 2018. É isso?
R. Vamos ter outras agendas urgentes. Temos de produzir uma lei eleitoral até cinco de outubro, um ano antes das eleições. Precisávamos fazer uma lei eleitoral bem abrangente, mas não vai dar tempo. Nessa questão eleitoral, viveremos o desafio de resolver a questão do financiamento eleitoral, que foi proibido de ser feito por empresas. Estamos diante de um momento, durante a Lava Jato, em que essa relação foi criminalizada. É uma questão que tem de ser discutida sob a pena de irmos para a eleição do ano que vem sem um sistema claro.
P. Sem essa regulamentação o risco de o caixa dois ocorrer é maior?
R. Esse risco existe, claro. Temos de descobrir uma fórmula que entre em consonância neste momento pós-Lava Jato. Ou seja, se pudermos esgotar essa agenda estrutural agora, para dar a oportunidade ao Brasil retomar o crescimento aproveitando esses primeiros sinais de recuperação. Temos 13,5 milhões de desempregados [na sexta feira foi divulgado que já são 14 milhões] e esse será o último quadro negativo a ser revertido quando sairmos da crise.
P. A oposição bate muito na tecla de que os números da Previdência Social não são deficitários. Dizem que se cobrar as multas ou as dívidas, o déficit seria praticamente zerado. Como o governo rebate esse argumento?
R. Esse tema foi vencido politicamente. É lógico que ficam alguns ícones. Quando se fala em não haver déficit na Previdência, comete-se alguns equívocos que eu acho que já foram desmistificados. Mas quando eles vão para a imprensa ou para as redes sociais, impactam as pessoas. A dívida ativa está de aproximadamente 1,2 trilhão de reais. A dívida da Previdência é de 460 bilhões de reais. Os procuradores da Fazenda já calculam que no máximo 30% dessa dívida com a Previdência é possível recuperar, com muito esforço. Isso representa 138 bilhões de reais. Esse resgate não faz o encontro de contas. Ele não cobre nem o déficit anual, que é de 158 bilhões de reais. A dívida ativa acaba se tratando dela de uma maneira mistificadora.
P. Na sua opinião, esse discurso dos opositores é falso. É isso?
R. É um discurso fantasioso, mentiroso, é deseducador. Há ainda outra questão, que são as desonerações. A Dilma desonerou o que pôde. E esses que agora estão reclamando não abriram a boca. E o atual governo reviu essas desonerações. Há ainda um equívoco conceitual que é central, na minha opinião. É o seguinte: não queremos discutir esse tema sob a perspectiva das despesas. Porque elas representariam ganhos de sociedade. Aí está escondido dentro o corporativismo. Vamos discutir pelas receitas. Só que quando trazem a receita para o debate, trazem esses dados fantasiosos. Essa forma como a oposição trata o déficit da Previdência é como oferecer um pote de ouro no final do arco-íris. Estamos em um modelo de sociedade que não temos saída, que precisamos discutir o custo da sociedade.
O problema na reforma da Previdência é que a memória da primeira versão do texto ficou muito tempo caminhando sozinha. É preciso mudar essa memória
P. Há ainda argumentos de que as duas reformas, trabalhista e previdenciária, privilegiam mais o mercado do que a população.
R. Temos de ter o compromisso de proteção social dos mais desassistidos, dos mais vulneráveis. Não está em jogo uma opção por capital financeiro versus resto da sociedade. O que está posto é o fluxo de recurso que sustenta a Previdência e o conjunto de despesas que dele são decorrentes, com conjunto de benefícios e direitos. Temos de enfrentar isso como uma questão permanente. Não dá para ir na eleição do ano que vem dizendo que vai desfazer a eleição presidencial. Esse discurso tenta reproduzir a ideia de que ter responsabilidade fiscal é não ter responsabilidade social. Nós não faremos a segunda parte se não fizermos a primeira. Vivemos num mundo cão. Se você não organiza as finanças, você tem inflação, fila de processos a pagar, tem a corrupção se instaurando. A responsabilidade fiscal e social tem a ver com esse ambiente de reformas que estamos vivendo. Eu acredito no que estamos fazendo, embora saiba que não estamos atravessando um mar com o sol quente e com o mar limpo. Temos tempestades eventuais e um mar com algumas revoltas.
P. Mas por que agora? Por que essas reformas não foram defendidas com tanto afinco antes?
R. Quando o Fernando Henrique [Cardoso] era o presidente [1995-2002] eu era deputado estadual pelo PSDB. Presenciei alguns bastidores no partido e me lembro de uma conversa dele com o PT na qual ele reproduziu a seguinte fala: “eu não tenho mais perspectiva de poder. Vocês têm. Para vocês adquirirem o poder, vocês se opõem a mim e fazem as suas narrativas. Deixem eu fazer essa reforma da Previdência que vocês precisarão dela. Vocês não precisarão fazê-la, deixa que eu faço. Critiquem, reclamem, mas não obstruam”. Eles não deixaram. No primeiro Governo Lula, assessores dele se lamentaram de não terem ouvido o Fernando Henrique. Agora, eles precisavam dela. Se eles não tivessem atrapalhado, não precisaríamos passar por isso nesse momento. Só faríamos ajustes ao seu tempo. Não adianta os opositores irem para a sociedade ficarem brincando de mocinho. Temos de dizer que a vida é dura e as reformas têm de ser feitas.
P. Como o governo tem monitorado essa greve geral e de que maneira ela influenciará na votação da Previdência?
R. A votação se constrói a cada momento. Nós criamos um marco, com a reforma trabalhista. Agora temos de ver como nós evoluímos na relação com a sociedade, na comunicação com a base. Temos de ver como serão as adversidades, que são os movimentos que estão aí postos. Ao mesmo tempo, você dá a oportunidade para a sociedade que quer a reforma também se mobilize. Tivemos uma grande movimentação no período do impeachment de Dilma e agora temos um movimento da contrarreforma. E a sociedade que queria as mudanças e reformas agora está dando sinais de que está vindo junto também. Estamos tendo um reequilíbrio e o Governo terá de ser capaz politicamente de fazer a gestão desse processo. Também atuando junto a sua base política que, na Câmara, é de 411 parlamentares.
P. Se essa base é tão grande, por que há tanta preocupação com os votos? Por que a gestão Temer ainda não tem o número necessário [308 votos] para aprovar a reforma da Previdência?
R. Porque você tem interesses regionais. Tenho um amigo que votou contra uma mudança no tamanho da dívida da previdência porque ele é oposição ao governador do seu Estado e, por mais que ele acredite que essa questão tem de ser revista, ele não podia se posicionar conforme seu opositor local. Outro deputado vive em um Estado em que 73% dos trabalhadores são servidores públicos. Como ele lida com isso? Ele tem dificuldades. Temos de entender ponto a ponto os limites e as responsabilidades de cada um. Desses 411 temos de trabalhar no conceito de 80% (328) que podem votar conosco nos dois turnos.
P. Essa seria sua aposta?
R. Não faço essa conta.
P. Quem faz é o ministro Eliseu Padilha [Casa Civil]?
R. Ele faz. Mas entendo que temos que estabelecer primeiro os votos consolidados ou consolidáveis. E depois identificar os problemas nas bancadas de regiões específicas e fazermos nossos ajustes de relacionamento e comprometimento. No começo do texto foram feitos ajustes frutos dessa interlocução. O problema na reforma da Previdência é que a memória da primeira versão do texto ficou muito tempo caminhando sozinha. É preciso mudar essa memória por meio da nossa comunicação. Agora, os votos virão. Não tenho dúvida
P. O presidente Michel Temer tem menos de 10% de aprovação popular. Como o Governo e a sua base aliada estão enxergando essa falta de apoio a ele?
R. O presidente não é um político de massa. Nunca foi. Ele tem uma história pessoal respeitada, que o transformou em uma liderança nacional. Essa popularidade varia um pouco por causa da atuação da oposição. E essa oposição tem responsabilidade pela atual crise. Ela foi produzida pelos que hoje fazem oposição. Nos dois governos da Dilma Rousseff, principalmente. O componente internacional foi muito baixo e o local, muito forte. As decisões foram equivocadas em vários momentos.
“O presidente [Temer] não é um político de massa. Nunca foi.”
P. Essa impopularidade de Temer pode interferir na aprovação das reformas?
R. Não. O Governo tem de se comunicar melhor com a sociedade. Mas de maneira geral, não vejo problemas na relação com o Congresso. O Governo tem um mérito importante que é o de ter um perfil parlamentarista. Sempre achamos que um governo nascido nas urnas, fresquinho das urnas, pudesse fazer grandes movimentações. Mas quando você nasce das urnas fresquinho, você também fica com dificuldade de descer do palanque. Aí não faz o que tem de ser feito. Estamos em um governo que tem essas características de relação parlamentar, depois de um impeachment e tem de fazer reversão do quadro que foi criado. Nossa agenda é das reformas. Por paradoxal que pareça, um governo com menor popularidade pode ser o Governo que vai fazer as reformas que o Brasil precisa. É nisso que apostamos.
P. Desculpe a insistência, mas essa falta de aprovação não interfere em nada?
R. Digo que temos de monitorar a relação com a sociedade. Precisamos ter um diálogo claro com a população para passar o sentimento de segurança. Nós não estamos fazendo um projeto político-partidário de poder. Estamos fazendo um projeto de transição brasileira e estruturação de vida do país. É um projeto de vida para o país.
P. Você não está preocupado com 2018, que é ano eleitoral?
R. Quando me perguntam isso minha resposta é a mesma. Não, porque acredito no que estou fazendo. Eu faria em quaisquer circunstâncias. Segundo, faço porque não acredito que 2018 seja um ano de algum brilho se não resolvermos 2017. Não chegaremos lá sem cumprir o papel das reformas de 2017. É bobagem achar que no meio de um temporal você vai ficar abrigado porque achou uma pequena copa de árvore. Estamos diante de um debate das coisas que precisam ser enfrentadas. E, terceiro, precisamos oferecer para o processo eleitoral do ano que vem um ambiente econômico e de recolocação da política em uma relação com a sociedade mais proativa.
P. Quando você fala da Lava Jato, o que me vem à cabeça também é que há oito ministros investigados por ela, outras dezenas de peemedebistas alvos de inquéritos ou denúncias. Como vocês lidam com isso?
R. Com relação à institucionalidade, há uma decisão do presidente que eu considero importante que é a de fazer um corte no tempo que torna impeditivo a permanência no cargo, que é o fato de ser denunciado. Estamos em um processo de debate e discussão do sistema de financiamento eleitoral. Dentro dele temos um esquema de corrupção que foi sistematizado na vida pública brasileira a partir de 2005. Para mim, quem esteja de maneira criminosa envolvido em qualquer esquema, tem de ser punido. Seja de que partido for. É lógico que quanto mais um líder do partido for atingido, mais se expressa a rejeição da legenda. Mas as atuações individuais são muito nítidas. Você percebe que os depoimentos e as manifestações dos investigados são muito nominais. Têm histórias pessoais que precisam ser esclarecidas. Algumas, pode ser que sejam injustas, mas outras, você percebe que não. Tudo tem de ser investigado.
“É bobagem achar que no meio de um temporal você vai ficar abrigado porque achou uma pequena copa de árvore”. Com informações El PAÍS.